Em homenagem ao mês das noivas, segue interessante artigo de Paulo Henrique Feijó sobre a interrelação entre a Contabilidade e o relacionamento conjugal, segundo as Normas Brasileiras de Contabilidade.
Vale para enxergar que existem mais mistérios entre a Ciência Contábil e nossa vida, do que sonha a vã filosofia...
A Contabilidade e o Relacionamento Conjugal
(Segundo as Normas internacionais de Contabilidade)
Paulo Henrique Feijó[i]
Como avaliar os resultados de uma relação conjugal? Essa é e sempre será uma pergunta de difícil resposta. No entanto, a Contabilidade, na qualidade de ciência social, poderia contribuir muito para avaliação dos relacionamentos conjugais a partir da adaptação de alguns conceitos, princípios e técnicas. Senão vejamos...
Quando duas pessoas decidem casar-se e formar um único núcleo familiar, de imediato aplicam-se dois princípios fundamentais da contabilidade: O primeiro é o princípio da Entidade, pois a partir da celebração da sociedade matrimonial não mais existirão duas pessoas, mas uma única entidade que não se confunde com os indivíduos que integram a relação.
Outro princípio é o da Continuidade, pois não se casaram com data de validade ou com o objetivo de se separar no futuro. A proposta de enlace, as promessas e as expectativas são de laços eternos, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte, em fim os separe, pelo menos acredita-se nisso e não se vislumbra naquele instante nenhuma perspectiva de falência da relação. Da mesma forma ocorre na constituição de uma empresa que, via de regra, não será criada com a expectativa de que irá falir. Neste caso também acredita-se que será para sempre!!!
O patrimônio da relação deverá ser segregado em ativo, passivo e patrimônio líquido, se apropriando da equação fundamental do patrimônio. No entanto, os ativos e passivos serão segregados em: Emocionais (intangível) e Patrimoniais (tangível).
Quando se casam já se constitui um patrimônio inicial do tipo emocional, pois normalmente pouco se tem de patrimônio. No ativo emocional estará registrada a capacidade que cada um tem de gerar benefícios futuros para relação.
O ativo emocional inicial deve ser contabilizado aplicando-se o princípio do Registro pelo Valor Original, ou seja, o valor de “compra” de cada um que integra a relação.
As promessas de longo prazo ditas no momento da paixão devem ser avaliadas a valor justo (fair value) e trazidas a valores de hoje (valor presente), para não inflar as expectativas. Senão, em ambiente de concorrência perfeita outros competidores de mercado já poderiam botar olho grande na relação.
Em alguns casos será necessária a criação de uma conta retificadora a fim de melhor representar o ativo ou passivo emocional muitas vezes em contrapartida de uma provisão. Isso acontece muito quando se tem uma expectativa não correspondida. A provisão pode ser revertida: são os pedidos de desculpas, a mão na consciência e o infalível envio de flores...
Nos momentos de “Discussão da Relação (DR)” deve-se fazer um ajuste a valor recuperável (impairment). Quando selarem as pazes e se restabelecer o equilíbrio da relação, resgatando a capacidade de ambos sorrirem, faz-se novo teste de imparidade e se restabelece o valor original do ativo.
As receitas são os momentos felizes, as conquistas, os filhos, a família, ou seja, tudo que de alguma forma aumentou o bem estar da relação e trouxe alegria ao casal, contribuindo para o aumento do ativo emocional.
As despesas são as brigas, tristezas e decepções, que devem ser levadas logo a resultado, pois diminuem o bem estar da relação. A rotina e os desgastes diários devem ser levados a “Custo da Relação Vivida (CRV)”, para em seguida serem levados a resultado.
O confronto das receitas (alegrias, conquistas...) e despesas (tristezas, decepções...) é o lucro da relação no período de apuração. Nesse confronto é importante garantir que as despesas sejam menores que as receitas, principalmente as emocionais, que garantem a liquidez da relação. Deve-se lembrar que os dividendos serão distribuídos em sistemática de partilha simples.
Sob a ótica fiscal (variação da dívida emocional líquida...) também deve-se garantir que as alegrias e conquistas sejam maiores que tristezas e decepções, sempre trazidas a valor presente (ótica de caixa...). Dessa forma também se evita a necessidade de financiamento junto a terceiros (as).
A técnica contábil para registro dos atos e fatos emocionais é o das partidas dobradas ou do carinho mútuo. Nunca haverá um débito sem um crédito, ou seja, nunca haverá um carinho sem reciprocidade. Algumas vezes a contrapartida poderá chegar tardiamente, de forma um pouco defasada, mas no final o lançamento deve fechar as partidas a débito e a crédito. Quando os dois estão bem, cada crédito exige em contrapartida apenas um débito para que o lançamento se feche. Esse é o típico carinho de primeira fórmula (um débito e um crédito).
Há momentos em que um deles se acha muito importante e exige diversos créditos para fechar com um débito ou diversos débitos para fechar com um crédito. Esses são instantes de carência de um dos lados, que exigem atitudes de carinho de 2ª e 3ª fórmula (diversos débitos para um crédito ou diversos créditos para um débito)
Quando o momento é de ampla felicidade, de ambos os lados, daí tem-se um momento de carinho de 4ª fórmula (diversos débitos para diversos créditos...), ocorre normalmente nos momentos de extrema felicidade da relação (nascimento dos filhos, filhos dormindo, orgasmos múltiplos...).
Ao longo da relação podem ocorrer momentos difíceis que diminuem a capacidade de geração de benefícios futuros para a relação. Nesse momento pode-se desejar incorporar outro ativo, externo a relação, muitas vezes denominados de ativo oculto, geralmente financiados como caixa dois, com capacidade de proporcionar benefícios presentes e futuros, normalmente para um dos integrantes da relação. Vale ressaltar que é um ativo de risco!! É “Derivativo Emocional”, pois deriva de situações em que não há carinho mútuo. Ao se desincorporar esse ativo as conseqüências podem ser desastrosas a ponto de se avaliar que patrimônio emocional ficou a descoberto e exigir um novo aporte emocional ou a falência da entidade, digo, da relação.
Assim, o principal ativo emocional da relação é a capacidade que cada um tem de fazer o outro feliz, de fazer o outro sorrir... Nesse sentido o valor da relação não está no que se viveu, mas no que se vive e na expectativa do que se pode viver. O que vale é a capacidade de continuar fazendo um ao outro sorrir e não o quanto sorriu!
Então ame, viva, registre as emoções, celebre as conquistas, provisione as decepções, avalie as expectativas a valor justo, valorize seu companheiro(a) e pontencialize a capacidade que ele(a) tem de gerar benefícios emocionais para a relação, pois essas são boas práticas de governança para uma relação duradoura!
[i] Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal, Curso de Siafi: Uma Abordagem Prática da Execução Orçamentária e Financeira, Suprimento de Fundos: Teoria e Prática da Execução Financeira no Siafi. Membro do Grupo de Trabalho constituído pelo CFC que elaborou as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicáveis ao Setor Público, no âmbito do programa de convergência aos padrões internacionais.