O poder público, enquanto guardião da proteção da sociedade, tanto por meio de normas coercitivas como regulatórias, interfere, com maior ou menor intensidade em nossa história, na ordem econômica. Nesse sentido, a contratação com o Estado deve ser protegida visando, indiretamente, a proteção da sociedade e do interesse público - não obstante as diversas teorias e opiniões sobre o que exatamente configuraria este interesse público. Ademais, a administração pública, considerando o disposto no artigo 37 de nossa Carta Magna, deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Sem prejuízo de outros tão importantes quanto, temos dois princípios que devem necessariamente reger as contratações públicas, a saber, o princípio da legalidade e o princípio da impessoalidade. Segundo Celso Lafer, o "princípio da legalidade afirma que a atividade administrativa se rege pelo atendimento das normas jurídicas com base na lei, cuja finalidade é sempre a presunção do interesse público", enquanto o "princípio da impessoalidade assevera que a administração pública deve tratar a todos sem distinções, em obediência ao republicano princípio da igualdade." Ora, os contratos com a administração pública devem, portanto, estarem revestidos de legalidade e impessoalidade. Para tanto, outro princípio se faz importante, a publicidade, igualmente esculpido no caput do artigo 37 da Constituição.
Com estas considerações, recebemos juntamente com bons ventos o advento do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), um banco de informações mantido pela Controladoria-Geral da União (CGU), regulamentado em definitivo pela Portaria CGU nº 516, de 15 de março de 2010. O CEIS foi lançado originalmente em 9 de dezembro de 2008, data em que se comemora o Dia Internacional Contra a Corrupção. No início era um cadastro de dados oficiais de caráter público, que apenas compilava dados oriundos de diversas fontes, não inovando ou aplicando quaisquer tipo de penalidades. Em função da utilização por diversas instâncias da administração pública, inclusive que chegaram a prever condicionantes em editais de licitação para fornecedores que tivessem registro de penalidade ativa no CEIS, verificou-se a necessidade de regulação.
Este cadastro consubstancia-se em um banco de dados que tem por finalidade consolidar e divulgar a relação de empresas ou profissionais que sofreram sanções cujo efeito seria a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública. O cadastro estará disponível de forma permanente na internet (www.portaltransparencia.gov.br/ceis), reforçando a ideia/ideal de fomento da transparência nas contas e relacionamentos do poder público.
Nos termos da referida portaria, a gestão do CEIS compete à Corregedoria-Geral da União, que deve adotar todas as medidas necessárias para regulamentar, operacionalizar, coordenar e divulgar o referido cadastro, podendo, para tanto, designar um comitê gestor.
Segundo a novel norma, as sanções aplicadas a empresas ou profissionais, e que deverão integrar o CEIS são: (i) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração; (ii) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública; (iii) impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou municípios; (iv) proibição de contratar com o poder público e receber benefícios e incentivos; (v) proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público; (vi) declaração de inidoneidade pelo Tribunal de Contas da União; e (vii) outras sanções previstas em legislações específicas ou correlatas com efeitos previstos no caput do artigo 1º da Portaria CGU nº 516, de 2010.
Em função das referidas sanções, o CEIS conterá, entre outras, as seguintes informações relacionadas às empresas ou profissionais: (i) razão social e número de inscrição no CNPJ do apenado, no caso de pessoa jurídica, ou nome completo e número de inscrição no CPF do apenado, no caso de pessoa física; (ii) tipo da sanção; e (iii) data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, sendo que esta última ficará em aberto no caso de sanção cujo efeito limitador ou impeditivo dependa de reabilitação do apenado junto ao órgão ou entidade sancionadora e desde que não mais perdurem os motivos determinantes da punição.
O CEIS é criado na esteira de outro recém-instituído banco de dados, que também visa aumentar a transparência pública e reduzir assimetrias. Referimo-nos ao Cadastro Nacional de Infrações à Ordem Econômica, instituído por meio da Portaria Conjunta CADE/SDE nº58, de 2 de dezembro de 2009, e contempla os cadastros de reclamações fundamentadas contra fornecedores são essenciais na defesa e orientação dos consumidores, cabendo aos órgãos públicos assegurar sua publicidade, confiabilidade e continuidade.
Importante destacar que a iniciativa da Controladoria-Geral da União (CGU) efetivamente parece estar ganhando adeptos. O governo do Estado de Mato Grosso, através da Lei nº 9.312, de 19 de janeiro de 2010, também recentemente, instituiu o Cadastro Estadual de Empresas Inidôneas ou Suspensas (CEIS-MT), acessível por meio do site do governo estadual. Segundo o artigo 4º, parágrafo único, da lei, a relação das empresas inidôneas ou suspensas inclusas no CEIS/MT será encaminhada à Controladoria Geral da União (CGU), para que seja incluída no CEIS nacional. Ou seja, busca-se o fomento e o intercâmbio de informações e dados, visando o aumento da transparência de dados.
Por fim, reforçamos nosso entendimento de que a medida parece reforçar a vontade de fomento da transparência que deve necessariamente ter o poder público ao contratar. O instrumento também pode colaborar com o setor privado nacional, enquanto cadastro fomentador de divulgação de informações de empresas ou profissionais. Certamente, em um primeiro momento, somos levados a acreditar que a medida pode contribuir com a redução da assimetria existente no mercado, tanto para contratações públicas quanto privadas.
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(1) Luís Rodolfo Cruz e Creuz é sócio de Creuz e Villarreal Advogados Associados. Bacharel em direito pela PUC-SP; pós-graduado em direito societário pelo LLM - Master of Laws do IBMEC São Paulo; mestrando em relações internacionais e integração da América Latina
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