A seguir, trascrevo um texto publicado no grupo Contabilidade Aplicada ao Setor Público, no facebook. Como orientada do Prof.Lino, não poderia deixar passar esta homenagem.
Do manual aos manuais
(*) Inaldo da Paixão Santos Araújo
“Aquele que se enamora da prática, sem a ciência, é como um navegante que entra no navio sem timão e sem bússola, que jamais tem a certeza de onde vai. Sempre a prática deve ser edificada sobre a boa teoria.”
(Leonardo da Vinci)
Tomei conhecimento desse texto citado na epígrafe na palestra “Os impactos do processo de convergência no controle interno”, magistralmente proferida pelo professor Lino Martins da Silva.
É sempre difícil conceituar um mestre. Guimarães Rosa, certa feita, afirmou que mestre não é quem ensina, mas sim quem de repente aprende. Para mim, mestre também é aquele que está sempre nos encantando.
O professor Lino Martins da Silva, português de nascimento e carioca de vocação e coração, é contador e bacharel em direito. Ele leciona Contabilidade Governamental e Orçamento Público desde 1971. Além de ser Livre Docente (com a defesa da tese "Contribuição ao Estudo de Custos na Administração Pública", em 1997), o professor também é um dos responsáveis pela mudança na Contabilidade Aplicada ao setor Público no Brasil. Em resumo, o professor Lino, como é carinhosamente conhecido pelos seus alunos, é um mestre.
Até onde estou informado, ele foi um dos primeiros a discutir, academicamente, a importância de se apurar custos na Administração Pública. Tem uma vasta contribuição para o aprimoramento da gestão pública brasileira.
Além disso, há uma iniciativa do professor que reputo de grande valia para a história da Contabilidade Pública. Refiro-me à elaboração do Manual de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro, em 1978, na ocasião em que foi inspetor geral de finanças da Secretaria de Estado de Fazenda.
O citado manual possuía o objetivo, entre outros, de adotar e divulgar normas e procedimentos padronizados, com a simplificação das ações. Em seu item 4.1.1 estabelecia que a escrituração contábil no Setor Público objetivava “a exata determinação do patrimônio e de suas modificações”, com o registro obrigatório de todos os fatos contábeis que ocasionassem ou pudessem ocasionar modificações qualitativas ou quantitativas no patrimônio do Estado.
Conheci o professor Lino por meio do seu livro “Contabilidade Governamental - um enfoque administrativo”, atualmente na nona edição, com o qual ele venceu concurso realizado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), em 1987. Curiosamente, o mesmo ano em que eu ingressava, por concurso, no serviço público.
Naqueles tempos idos, embora auditor de contas governamentais, nada sabia de Contabilidade Pública, que, por sinal, considerava um ramo contábil retrógrado e sem nexo.
Mas, foi justamente o livro do professor que, com simplicidade e muita didática, fez-me perceber que a prática sem teoria era vazia e o quanto a Contabilidade Pública e seus procedimentos tinham sentido. A questão não estava no ramo do conhecimento contábil em si, mas sim nos seus operadores.
Foi esse trabalho que ocasionou o meu encantamento pela Contabilidade Pública e fez com que, por ela, eu me apaixonasse. Sei que muito facilmente me apaixono pelas coisas da vida, mas o que posso fazer se trago a paixão até no nome?
Pelas raras coincidências do destino, o professor Lino participaria da banca de mestrado perante a qual eu defenderia minha dissertação (não preciso dizer que sobre Contabilidade Governamental), mas os desígnios da vida o impediu de fazê-lo. O professor teve que enfrentar e venceu uma enfermidade.
Devido a esse infortúnio, somente tive o prazer de conhecer pessoalmente o professor Lino em 2007, quando começamos a participar de um grupo de estudos voltado a conceber um arcabouço normativo para a nova Contabilidade aplicada ao Setor Público.
Em decorrência desse trabalho, o CFC aprovou onze resoluções que contribuíram para a implantação de um novo modelo de Contabilidade Pública no País. Em resumo, esse novo arcabouço normativo versa sobre a conceituação, objeto e campo de aplicação da Contabilidade aplicada ao Setor Público: patrimônio e sistemas contábeis; planejamento e seus instrumentos sob o enfoque contábil; transações e registro contábil no setor público; demonstrações contábeis e suas regras de consolidação; controle interno; depreciação, amortização e exaustão, regras para avaliação e mensuração de ativos e passivos e normas de custos.
Entre os principais avanços normativos, destaca-se a obrigatoriedade da adoção do princípio fundamental da competência (receitas e despesas registradas no momento da ocorrência), o que demandará uma nova maneira de se realizar Contabilidade Pública.
Mas não escrevo este artigo para falar sobre isso, mas, sim, para resgatar a importância do Manual de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro, idealizado pelo professor, que contribuiu para estabelecer modelos e padrões contábeis até hoje vigentes.
Talvez inspirado nessa fonte, mas precipuamente objetivando a modernização da Contabilidade aplicada ao Setor Público, em face da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e do processo de convergência dos padrões contábeis brasileiros às normas internacionais de contabilidade, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão central de Contabilidade da União, entre outras ações, elaborou, de forma participativa e democrática, os Manuais de Contabilidade Aplicada ao Setor Público.
Esses manuais, já na quarta edição, objetivam estabelecer padrões contábeis, reduzir divergências e duplicidades de procedimentos, contribuir para a transparência da gestão, racionalização de custos e facilitar o controle (interno, externo e social), e são compostos de sete partes, assim definidas: i) Procedimentos Contábeis Orçamentários; ii) Procedimentos Contábeis Patrimoniais; iii) Procedimentos Contábeis Específicos; iv) Plano de Contas Aplicado ao Setor Público; v) Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público; vi) Perguntas e Respostas; e vii) Exercício Prático e Demonstrativo de Estatísticas de Finanças Públicas.
Mais do que apresentar um conjunto de regras, os manuais da STN, com seus volumes e partes, configuram-se em um verdadeiro compêndio doutrinário e prático que, acredito, muito contribuirá para o estudo, implantação e desenvolvimento da nova Contabilidade Pública brasileira.
Hoje, quando releio o manual concebido pelo professor Lino e o comparo com os modernos manuais da STN, percebo o quanto são importantes as ações dos visionários do serviço público que, de forma, por vezes, abnegada e onírica, conseguem transformar ideias em realidade, projetos em realizações e deixam marcado na história a sua contribuição que, se hoje pode ser considerada modesta e passa até despercebida, ontem foi fundamental para as transformações que ora se vivencia.
Obrigado, professor Lino, por sua iniciativa, e que Deus oriente e proteja sua brilhante caminhada para que o senhor, na condição de mestre, possa continuar ensinando, inspirando, encantando e provando que, se para navegar são imprescindíveis o timão e a bússola, para chegar, é preciso saber aonde se quer ir.
(*) Mestre em Contabilidade. Auditor concursado do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Professor universitário. Escritor.
Adotar o principio da competência para as receitas, também, afronta conceitos basilares da contabilidade. Pesquisando, não encontraremos como registrar "ativos" por estimativa, que é o que está sendo proposto. Receitas são estimadas e não são suscetíveis de registro patrimonial pela sua previsão orçamentária. Continua a cantilena da contabildiade orçamentária, do mesmo jeito. É a velha história do cachorro, correndo em círculos, querendo morder o próprio rabo. Polyana, perda de tempo essa pseudo-proposta.
ResponderExcluirPrezado Anônimo,
ExcluirObrigada pelo seu comentário. Volte sempre.
A intenção aqui não foi discutir quando registrar receitas e despesas na Contabilidade Pública, mas prestar homenagens ao Prof.Lino, que brilhantemente tem levantado bandeiras que, a meu ver, são de extrema importância para o desenvolvimento desta área tão carente de pesquisas e "mentes pensantes". Congratulo o Prof.Inaldo, por admitir o brilhantismo deste tão querido mestre.
Ok Polyana, desculpe a minha colocação. O mestre Lino, através dos seus escritos, foi a minha fonte inicial de saber para a contabilidade pública. Continuo tendo que estudar muito sobre o assunto, que é muito complexo. Como estou militando na contabilidade pública há alguns anos(23), observo que alguns excessos estão sendo cometidos, incluso, o desrespeito ao princípio básico da adm pública: legalidade. As mentes brilhantes também podem cometer equívocos e nós estamos aí prá tentar ajudar. Obrigado pela oportunidade de debater com você.
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